quarta-feira, 17 de agosto de 2011

SÃO GONÇALO E A MODERNIDADE TRANSEUNTE

Posto agora, meus caríssimos e indispensáveis amigos, um texto de 2003, publicado originalmente nos jornais Nosso e Apologia.

Esse texto faz parte de uma série a la Baudelaire e o seu fleneur de sua obra Sobre a Modernidade.

Queria, assim, exprimir o meu sentimento sobre esta cidade que a cada dia se encrua como impossibilidade. Peguei na mão da Modernidade e fizemos um passeio ou um avante tour como ela prefere. Primeiro passamos pela Praça Zé Garoto (nota: antes do banho de loja da Panisset)

São Gonçalo e a Modernidade Transeunte

Eu e a minha amiga Modernidade  fomos passear a pé pelas ruas da cidade. Não tão jovem assim, contentou-se caminhar pelo Centro. Disse-me que era o suficiente para conhecer a cidade inteira. Porém, retruquei:
_ Mas como? Você precisa conhecer também a periferia...


Esperta e cheia de si, detona:
_Meu rapaz...

Antes da suprema ofensa e humilhação, fez uma pausa coçando a cabeça lilás, me achando a pessoa mais estúpida do mundo.
_Meu rapaz... São Gonçalo já é a periferia.

Olhei pra ela arrasado; mas concordei, sem falar nada. Entendi o seu ponto de vista. Se referia ao Rio de Janeiro como a metrópole e, São Gonçalo, seu satélite. Tem sentido.

Compramos um sorvete na Praça Zé Garoto. Sentamos num dos seus bancos de cimento. Era tardinha e, de repente, acendem as luzes de um chafariz. A nossa atenção é finalmente desviada para um casal de noivos - à caráter - que descia desajeitado de uma kombi branca 69.

Sem mais nem menos a amiga começa a gargalhar; tão alto, que o pipoqueiro ao lado não desgrudou mais os olhos dela. A figura já tinha aquele cabelo esquisito, e rindo desse jeito... não é para menos!

A súbita curiosidade que me remoía provoca então a pergunta:
_O que foi?

Ela ria alucinadamente. Tive que ajudá-la a não se engasgar.
_Diga o que foi - insisti.

Se recompondo, fala, matando a minha curiosidade e a do pipoqueiro que, a essa altura, já estava do meu lado, sob protestos histéricos de uma criancinha.
_É ridículo!

Ria e ria. Gargalhava: quá,quá quá, quá...
_Eles (e quá,quá quá, quá...), eles estavam esperando o chafariz funcionar (e quá,quá quá, quá...) para saírem da kombi...

Eu continuava não entendendo nada - muito menos a galhofa - quando retoma:
_ O noivo pisou na grinalda da moça e a arrancou do vestido. Coitado do cara; levou um esporro tão grande que murchou...

Realmente era engraçado, o suficiente para um han, han. Foi quando completou, percebendo enfim minha contrariedade:
_Pra que que casa? Tá vendo, já brigaram; e tudo isso por uma grinalda que vai mofar no guarda-roupa. Isso se o vestido não for alugado - disse, convicta e sarcástica.

Só fiquei intrigado com uma coisa: o pra que que casa. Indaguei:
_Você não quer casar não?

A Modernidade responde, em tom seco:
_ Já fui casada.

Fiquei surpreendido. Notei impaciência na ponta do banco, queria afalar mais.
_ Fui casada com o Liberal. Foi um casamento feliz no início, mas depois ele me traiu...; com alguém muito mais velha do que eu. Foi a maior decepção da minha vida.

Senti pena dela.

O pipoqueiro, também consternado, deixara queimar o milho. Saía um fogaréu dos diabos da carrocinha. Peguei em sua mão para consolá-la.
_ Passei a maldizer o matrimônio. Agora sou atéia.E acho tudo isso uma bobagem- suspira a Modernidade em resignação.

Finalmente saquei o motivo de tanto riso. Não acrediatava, por sua vez, que ela tinha desistido de amar.
_ Você nunca mais se apaixonou?

Vira a cabeça pra mim, como que aprovando a pergunta:
_ Oh sim! E fornico. Fornico muito!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário