quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O SAPATO DE JULIETTE - LAUDA VI

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Ora, mas quem precipitou-se foi eu. Devo puxar a linha deste carretel com discernimento para não dá-la nós. Que seja o último!

Como disse, o homem nascera em algum lugar, chegando à família Ferro Lemos ainda de colo. Um sujeito sinistro, de alcunha Quinzinho, tratou de entregá-lo à mãe oportuna na cidade de João Pessoa, em sua parte mais abastada. Este episódio teima em ser deveras tenebroso à cabeça do infeliz, feito fantasma que assombra em horas de tutela. E tal espectro materializou-se por obra deste mesmo sinistro sujeito, em um dia quente qualquer do nordeste deste ponto do universo que rima com o mais vil palavrão.

Os anos deram à família Ferro Lemos prestígio e terras naquelas bandas da Paraíba e alhures. O controle dos seus negócios e os investimentos eram feitos com mão de ferro, foice, facão e espingarda; a faceta original do capitalismo brasileiro. O cancioneiro estava por fazer Asa Branca, era latente como um escândalo. Os conchavos e os acordos entre os iguais localizava-os na civilização, mas de modo algum pode-se dizer prática dominante daquelas cercanias. As birras e os negócios pendentes eram resolvidos à bala e sangue, o braço político usual dos coronéis e senhorios da tradição patriarcal conservada e reformada. Sofria menos quem tinha mais, e, o inverso, era a tilintante crueldade em forma pura, de uma atroz infalibilidade.

Quinzinho era um sujeito sinistro. Precisava sê-lo. Não sei se daria a ti descrição fidedigna da sua obliquidade. Tinha na sua esquisitice algo de etéreo e transcendente. A sua função neste mundo era de uma predeterminação quase litúrgica. A magreza do sujeito servia-lhe como testemunho da secura de sua alma. Os olhos fundos e sua testa protuberante faziam-lho estranho contraste com aquele quase-corpo. Mas J. Carlos não terminaria aqui a sua descrição: os gestos do sujeito eram de uma economia que tornavam explícito o seu talento moco. Quinzinho era o filho torto daquela Paraíba, mas o serviçal perfeito da família Ferro Lemos. Não havia em Quinzinho moralidade ou imoralidade, culpa - nada! Não em sua cabeça, nos seus atos. Simplesmente ele eliminara tais conceitos e complexidades. Era de uma leveza insuportável. Falava pouco, jamais repetia o já pronunciado; a voz do sujeito era para si próprio uma anti-inflexão.

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