domingo, 20 de abril de 2014

ACABOU O QUE NEM COMEÇOU?

 


Um acontecimento histórico, entre 280 e 279 aC, sobrevive até os dias de hoje e persegue principalmente os ambiciosos desmesurados cegos pelo seu próprio desejo. Refiro-me à Batalha de Heracleia, na Guerra Pírrica, que recebeu este nome em função do rei de Épiro, Pirro.

Sobre esta batalha, Plutarco, historiador romano de origem grega, registra um relato de outro historiador, também grego, Dionísio de Halicarnasso:
"Os exércitos se separaram; e, diz-se, Pirro teria respondido a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória que "uma outra vitória como esta o arruinaria completamente". Pois ele havia perdido uma parte enorme das forças que trouxera consigo, e quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes; não havia outros homens para formar novos recrutas, e encontrou seus aliados na Itália recuando. Por outro lado, como que numa fonte constantemente fluindo para fora da cidade, o acampamento romano era preenchido rápida e abundantemente por novos recrutas, todos sem deixar sua coragem ser abatida pela perda que sofreram, mas sim extraindo de sua própria ira nova força e resolução para seguir adiante com a guerra."
Todos os gonçalenses atentos à sua própria cidade acompanharam o desenrolar da campanha de 2012 e podem testemunhar o esforço do candidato pelo PR, Neilton Mulim, em se tornar prefeito de São Gonçalo. Foi uma vitória apertada no primeiro tento sobre a deputada Graça Matos, esta então o apoia no segundo turno junto a outros atores políticos importantes que então se opunham ao candidato da prefeita Aparecida Panisset, seu pupilo sorongo Adolpho Konder.

Já sacramentados os acordos de gabinete, - que pelo bem da moralidade nunca serão postos ao torvelinho público - restava ao antagonista do panissetismo segurar firme o vento a seu favor e tornar crível o conto de fadas de suas promessas acreditando que jamais seria cobrado por elas. Afinal, desde Quinto Cicerón, sabemos que promessas numa campanha são para alimentar esperanças nos eleitores, não necessariamente para serem cumpridas.

E, assim, o Cícero desta freguesia, que foi aluno aplicado de Quintus Garotinho, nos encheu de esperança os nossos corações com a tarifa de transporte a UM E CINQUENTA e com o reajuste linear de todo o funcionalismo público a 20%. Foi eleito, claro. Eleito com os votos das gentes crentes no barateamento do transporte, com o fim da corrupção, no desmantelamento da 'república abençoada', na criação de uma empresa pública de coleta de lixo. Foi eleito com a ajuda de milhares de professores e professoras da rede pública de educação, das merendeiras, do funcionalismo que sua pra dar alguma dignidade à administração desfazendo bobagens de gente oportunista comissionada enxertada no poder público.

Mal completados 6 meses de governo, o espírito do tempo assombra e se instala nas escadarias da sede do poder máximo do município. Azar ou ironia, o que se ouvia na rua era justamente aquilo que Mulim supusera estar a caminho do esquecimento ou do folclore eleitoral. O povo cobrava, cobrava e cobrava do prefeito o que este sabia impossível. Mas, mesmo assim, um tanto atordoado e perplexo com o fenômeno nacional por mobilidade e que-tais, vem a público através da midia amiga local dar explicações e estabelecer datas para saciar o despertar da cidadania.

Eis que sabemos pelo seu lugar-tenente, - espécie de cardeal Richilieu às avessas, e que as más línguas afirmam ser o prefeito de fato, - ele, Sandro Almeida, que a equipe de governo não tinha a menor ideia de como pôr em prática a tarifa a R$ 1,50 nos transportes da cidade. Na ocasião afirmara não poder fazer muita coisa além de aprofundar os estudos de viabilidade orçamentária apenas para o ano de 2014, e que, diferentemente do que havia proposto na campanha, somente uma parcela da sociedade teria direito à 'tarifa social'.

O tempo passou e, ao invés de implantar o programa tarifário prometido, o governo, via decreto concede às empresas de transporte o aumento dos tão temidos e emblemáticos 20 centavos no início deste ano. Fato este que gerou reações ruidosas mesmo que tímidas nos movimentos sociais organizados da cidade, mas também uma revolta surda em toda a população que antes creditava em Mulim alguma credibilidade para tocar as transformações tão almejadas em São Gonçalo.

Não bastasse a Mulim o infortúnio político causado pelos novos tempos em todo o Brasil, vimos aqui em São Gonçalo o quão um governo pode ser inábil até em cuidar do seu próprio quintal. O funcionalismo, que aderiu entusiasmado à campanha do atual mandatário, hoje faz um movimento reivindicatório inédito na história da cidade, cobrando simplesmente aquilo que placidamente o candidato dizia ser possível: restituição de perdas e aumento salarial, profissionalização da burocracia e diminuição radical dos cargos políticos comissionados que, segundo informações da secretaria de administração, chegam a 5 mil, ou 40% de todo o funcionalismo municipal, número extremamente alto de aparelhamento da máquina pública.

Os professores e profissionais da rede de ensino municipal estão em greve desde o dia 25 de março fazendo diariamente manifestações em frente à prefeitura e não há sinais de que pretendam arrefecer o movimento. Pedem melhorias nas condições de trabalho, transparência e descentralização na distribuição de recursos e eleições diretas para as diretorias de escola. Aos professores, semanas depois, se juntaram os Agentes Comunitários de Saúde e mais recentemente os funcionários das secretarias de administração, fazenda e procuradoria.

O ineditismo do movimento  unificado do funcionalismo na cidade só se explica pelo surgimento e amadurecimento das suas respectivas organizações de classe, o SINDSPEF, sindicato dos funcionários efetivos e o SINACS-RJ, dos agentes comunitários de saúde, estes que vieram a se juntar ao velho e até pouco tempo solitário SEPE, dos professores. Os trabalhadores organizados e mobilizados nesta conjuntura pós-eleitoral não entraram no cálculo político do governo Mulin, e o imobilismo do prefeito frente às manifestações é um sinal claro de que falta entendimento sobre o que está acontecendo na sociedade como um todo.

Sobre isso, o vereador Marlos Costa (PT) nos dá algumas pistas acerca dessa São Gonçalo contemporânea:

"O que ocorre em São Gonçalo não pode ser apartado do que ocorre no restante do Brasil em cidades com perfis semelhantes. O ganho de renda dos trabalhadores os elevaram a um outro patamar de conquistas que ora se refletem em exigências nas melhorias do serviço público ora na melhoria de suas condições de trabalho. Os movimentos sociais que no final da década de 1980 e início de 1990 foram desarticulados muito por conta da cooptação do poder público, hoje ressurgem na cidade através da organização dos trabalhadores que não mais aceitam a continuidade de políticas provincianas na cidade. Tenho comigo a convicção de que uma mudança real em São Gonçalo se dará através do surgimento e fortalecimento da sociedade civil organizada, e não de salvadores da pátria que em nada, historicamente, favoreceram a democracia e as instituições. A decisão do prefeito em não dialogar com o funcionalismo frente a frente dá-nos a certeza de que ele não entende o que de novo está acontecendo na cidade. É um erro primário você brigar com a história que se constrói aos nossos olhos."

O também vereador pelo PT, Professor Paulo, presidente da comissão de educação da Câmara, provocado pelo comando de greve dos professores, teve acesso e publicou documento em que constava a relação das escolas e os seus devidos repasses de verbas municipais e do Fundeb. Isso provocou uma reação inusitada da secretária de educação do município, Regina Santos, reclamando formalmente ao prefeito a divulgação de tal documento que é público. A atitude da secretária acabou escancarando a política centralizadora do governo Mulim, desconstruindo o que vinha sendo praticado desde o governo de Henry Charles de autonomia das escolas. A secretária foi exonerada no que foi considerado pelos professores como sua primeira vitória, embora desconfiem das ações protelatórias do governo, em sua velha estratégia de enfraquecer o movimento reivindicatório por inércia.

Mulim, que se nega em receber a sua outrora base eleitoral, o funcionalismo, segue em sua cavalgada eleitoral em eleger o seu irmão Nivaldo para a Alerj. Este, vereador, que renunciou ao cargo de secretário de desenvolvimento social, parece que viu coisa tenebrosa na Câmara pro lado do governo. Os vereadores, que reclamam da postura estafeta do prefeito, não lhe dão sossego. Rejeitaram mensagem do governo - estapafúrdia- que daria às 1.500 vans o direito total e absoluto à bandalha. 14 vereadores deram um nó político no prefeito que está amarrado à lei de concessões de transporte na cidade. A decisão foi técnica, mas os desdobramentos políticos são irreparáveis.

O governo Mulim acabou. Vitória de Pirro.

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