(...)
Ainda lá estava a moça na solidão do desespero e sentimentos ruins há muito habituais à cabeça. Arrastou-se, porém, à borda do meio-fio a sentar-se. Ficou em tão funesta solidão até o ranger de uma portinhola à sua frente. Era dona Mirandinha mimando a insônia. Tão logo a viu chamou-a sem perceber-lhe o aviltamento da cena:
_ Juju, é você? É você Juju?!!
Dona Mirandinha já era vó há bastante tempo, e a artrite a perseguia. Nada que lhe tirasse a ternura. Absolutamente! Chamava-se Mirândola, mas a vizinhança tratou de alcunhá-la dona Mirandinha mesmo. Viste acima que chamara Juliette por duas vezes, e depois de um estranho silêncio perguntou em baixo tom, curiosa:
_ Que fazes aí minha filha?
_ Não é nada - respondeu sem olhá-la nos olhos; enxugando o que restava de lágrima na bochecha pálida. - Eu só estou aqui... - Não se aguentou; chorou de soluçar em tremedeira; gemia como criança pequena.
A mulher atravessa a rua do seu jeito, indo ao seu encontro. O franzir do rosto de Mirandinha - além de enrugá-lo - carregava pesada curiosidade: "O que essa menina aprontou dessa vez? Ora, mas tão cedo! Não, não... As luzes da sua casa estão apagadas; estão todos dormindo por certo". Pisava nos paralelepípedos indagando-se a fim de adivinhar a causa do inusitado em pleno alvorecer.
_ Aconteceu alguma coisa; fale comigo Juliette...
_ Aconteceu, sim! Eu não vou trabalhar hoje! Tudo por causa de uma merda de sapato!
(...)
Retrato amargo da realidade do nosso povo. Quantas pessoas deixam de trabalhar porque não tem um sapato, uma roupa ou até mesmo o dinheiro da passagem? Os Dramas da vida real podem parecer cômicos, aliás, a vida é cômica, mas só o povo lutador sabe de suas dores. Todos os dias se levantando da cama para enfrentar essa grande selva da dita "civilização" que nos cerca. Selva essa mais devorada e cruel do que as matas onde os predadores não são animais irracionais, mas o próprio homem, a miséria e a injustiça social!
ResponderExcluirBravo Helcio!!