quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O SAPATO DE JULIETTE - LAUDA V

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_ É com tudo e com todos. Sabe, as coisas comigo dão tão errado, que duvido realmente existir - Depois de uma pesada, dramática e terrível pausa, continuou: Uma vez li - não sei onde - que tudo que existe é, ao mesmo tempo, potência e resistência porque é força, e, no entanto, cá estou em sua casa bebendo esta água doce - filosofou a moça com a reflexão dos derrotados.

Juliette sempre soube da dureza da vida; agora, o parênteses necessário: creio que o leitor possa ter uma compreensão coberta pela áurea da pieguice a respeito de concepção e afirmação consumidas pela desesperança generalizada. Porém, diria ser a sua vida, em particular, um arroio de mequetrefe. Para ela, os seus impedimentos eram rudes e intranscendentes. A única coisa que tinha em seu favor era o intelecto, talvez -faça ver! - por herança de seu pai e de sua mãe. Peço licença, portanto, para contar-lhe um pouco da história dos seus ascendentes num brevíssimo prólogo.

Os dois conheceram-se lá pelo fim da década de ouro do Brasil. Sim, nos anos cinquenta do passado século XX. Ele, cabo da Marinha de Guerra, e ela, filha de um funcionário público de pequeno escalão do Ministério do Planejamento. Um pouco de atenção à história brasileira nos daria o cenário perfeito ao encontro do casal. Por hora, comecemos a genealogia.

O homem, pai da moça, fora batizado João Carlos; João Carlos de Ferro Lemos. Nascera em 1939 numa cidade do interior do grande Estado do Sertão. Digo numa cidade, porque mesmo ele a ignora. Sem o querer, mergulharia de cabeça no turbilhão de eventos sucessivos que culminariam no seu mais completo esquecimento como pessoa à ruazinha das Flores; em uma pseudo-cidade de subúrbio do Rio de Janeiro, ironicamente afeita à sua condição. Parou ali como sempre vivera, tal como folha vadia ao sabor dos ventos, que se desgarra, murcha e finalmente seca para desintegrar-se. Talvez para ele a sua própria vida tenha sido uma enorme pilhéria. Ainda não cansara das perguntas que fazia a si mesmo - por sua vez -, mas há muito desistira de lutar no front da vida. Tombara em meio ao combate pela existência neste mundo deveras hostil. Juliette daria, então, continuidade à causa perdida? Bem veja que é cedo para tirarmos qualquer conclusão, uma antecipação que seja é precipitada.

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