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“Tortura no Brasil? Foram só umas unhazinhas arrancadas.” Lobão falou isso, e tem muita gente, como ele, que perdeu a vergonha. Esse absurdo do Lobão é festa na Globo, Veja etc., corporações de mídia que há muito deixaram de lado a verdade factual para combater o mau combate: preservar a qualquer custo a iniquidade social e os seus privilégios na sociedade brasileira depois da subida ao poder do Partido dos Trabalhadores e de Lula, o alvo-mor a ser caído, tal como um anjo expulso por deus do paraíso.
Fazer troça com um dos períodos mais odiosos da nossa história não é apenas insensibilidade, é canalhice. Adjetivo que muito bem pode ser usado para interpretar a nossa sociedade, ou pelo menos parte dela, encastelada no topo da pirâmide econômica e cultural, apenas uma fração do que nós somos, mas fortes o suficiente para ressoar dos seus veículos de comunicação os seus valores e inclinações políticas. A atitude covarde de Lobão pode ter sido oportunista - ele promove o seu livro - mas encontrou eco e apoio nos grandes jornais e programas de TV sem espaço possível ao contraditório. Isso é sintoma óbvio de enfermidade de nossa democracia.
Os valores mesquinhos da elite brasileira se espalham por todas as classes sociais, se banalizam, são relativizados e criam monstruosidades de parte a parte. Vemos incrédulos uma epidemia de estupros contra mulheres à luz do dia ou à sombra da noite, resultado infame da cultura hedonista e de desvalorização da mulher desde os anos 90, em que ela própria é um objeto de consumo e símbolo do poder, do dinheiro, valor máximo da vida; vida forjada num ambiente de competição irracional pelo prazer a qualquer custo e permanente. Esse ambiente fez com que os freios sociais à patologia do estuprador desaparecessem. Hoje, segundo relatos, nem castigos existem mais na cadeia, onde nos reconfortávamos com a alheia “vingança”.
Os poderosos, desavergonhados até os ossos, jogaram às favas o pudor e a máxima de Catilina: “Não basta ser honesto, tem que parecer honesto”. Ministros do Supremo Tribunal Federal têm filha e esposa a serviço de uma grande banca de advocacia do Rio de Janeiro que, invariavelmente, tem no STF a instância final onde serão decididas suas ações. Um desvio ético relativizado pelos colunistas a mando de seus patrões. Mas nem mesmo considerações lemos ou ouvimos dos jornalões da chicana do julgamento do famigerado mensalão, que condenou réus ou com provas falsas ou forjadas; condenações sob medida à desforra das elites por não estarem no poder há 10 anos. O “maior caso de corrupção da história” (sic) virou a maior vergonha do judiciário brasileiro. Leia A Outra História do Mensalão, do Paulo Moreira Leite, por favor.
O sem-vergonhismo chegou às raias do inacreditável com economistas tucanos, de amplo espaço na mídia, que defendem abertamente o aumento dos juros e o desemprego como forma de controlar a inflação. Nunca ficou tão cristalino o ódio ao povo, o ressentimento e posicionamento criminoso das elites contra o País. Esse tipo de coisa só é possível graças a criação de uma realidade paralela que abriga uma porção da sociedade não integrada ao Brasil atual, que a detesta, saudosa dos seus privilégios e exclusivismos.
Nelson percebeu nos idiotas a modéstia perdida. Agora, podemos dizer que, além da modéstia, os idiotas também perderam a vergonha. No entanto, um idiota sem modéstia é inofensivo. Mas um idiota sem vergonha, com poder, faz um estrago danado.
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