Interessante análise de um petista filiado e atuante...
Considerações sobre o declínio dos discursos libertários
Por Maurício Mendes de Oliveira.
Na edição do Jornal “O Globo” do dia 22 de junho de 2013, o colunista Luiz Eduardo Soares escreveu um artigo, opinando sobre as surpreendentes manifestações populares que sacudiram o Brasil no mês de junho. Perplexo, como todos os formadores de opiniões, ele em suas linhas emitiu o seguinte parecer:
“O desconhecido tende a suscitar em nós reações defensivas e explicações que funcionam como a confirmação do que já se sabe - ou se supõe saber. Se o propósito é conhecer, devemos buscar, com humildade, a compreensão auto-reflexiva e a desnaturalização das descrições correntes. Até porque todo esforço de entendimento também é uma ação política.”
Essa reflexão é preliminar. Sim isso mesmo, preliminar, pois ele mesmo tem dúvidas sobre o real significado dessas manifestações sociais, que pela primeira vez, não contou com a liderança de partidos políticos, sindicatos e mesmo outras entidades da sociedade civil, ou melhor, corrigindo, foi mobilizada por setores de uma possível “nova sociedade civil organizada”, que se auto-mobiliza via internet, ou mais especificamente, via redes sociais. Essa “Primavera Junina” iniciou-se na megalópole paulista para reivindicar a revogação no aumento das passagens de ônibus e logo ganhou as outras capitais do país e as cidades importantes do interior do Brasil, com múltiplas demandas além do preço das tarifas de transportes.
Considerando que por décadas os sindicatos jamais conseguiram viabilizar uma autêntica greve geral, tal mobilização popular se configura em um fato absolutamente novo, um tanto quanto obscuro, tendo em vista que sou de uma geração que cresceu sob a censura que o regime castrense nos impôs por muito tempo. Por não ter vivido enquanto adulto os “anos de chumbo”, sobrevivi para participar do movimento pelas “Diretas já” em 1984; acompanhar o processo para a constituinte em 1988; mais uma vez participar de mobilizações de rua em 1992 pelo “impechement” de Fernando Collor e assistir a ascensão do neoliberalismo e consolidação do Plano Real em 1994, já nos tempos de FHC.
Na qualidade de cidadão politizado (e não “político”, pois é preciso ter “estômago” para tal) e bem consciente das manobras conservadoras das elites brasileiras para se manter no poder, eu achei muito estranho os partidos políticos e sindicatos não estarem à frente dos movimentos reivindicatórios. Achei mais estranho ainda a mídia - tradicional porta voz das classes dominantes - estarem apoiando (num segundo momento) as lutas populares, com o requinte de diferenciar os manifestantes “ordeiros” dos “baderneiros”. Achei igualmente inusitado, o fato das demandas do povo brasileiro serem apoiadas por patrícios que moram nos países centrais, e mesmo, por cidadãos dos EUA e Europa Ocidental, que, digam-se de passagem, sempre nos enxergaram enquanto uma “exótica”, e outras vezes, uma “desprezível” periferia.
Essas súbitas contradições me levaram a uma avaliação preliminar, que de certa forma, foi na contramão dos acontecimentos: imaginei que era uma série de mobilizações orquestradas por segmentos de direita, com o fim de enfraquecer de alguma forma o governo federal. E porque tal raciocínio? Recordando. Eu fui crescendo observando as formas que os meios de comunicação manipulam as massas, em particular, a Rede Globo de televisão que em pleno processo de redemocratização nos anos 1980, ajudou a derrotar Darcy Ribeiro e eleger Moreira Franco para o governo do Rio de Janeiro, e também, derrotar Lula e eleger Fernando Collor na disputa presidencial de 1989. Pode ser uma lógica simplória, mas coerente com esses precedentes.
Todavia, já atingi uma idade suficiente e adquiri instrumentais teóricos para não me deixar seduzir por considerações maniqueístas, pois como bem assinalou Luiz Eduardo Soares, ”todo o esforço do entendimento também é uma ação política”. Assim, esse esforço para a compreensão do que há de velho e de novo nessas mobilizações populares (além é claro do uso das redes sociais), me revela que um mosaico de reivindicações antigas como o combate a corrupção, melhor qualidade na saúde, melhor qualidade de ensino, contra a PEC 37, contra a homofobia, pela reforma agrária, pela democratização da mídia, contra os gastos excessivos e suspeitos dos eventos esportivos, estão lado - a - lado com neofascistas que criminalizam os partidos políticos e sindicatos, além de “baderneiros”, que vão de skinheads até marginais comuns, que somente reivindicam o crime e o terror como filosofia de vida.
Confesso também que caí na tentação preconceituosa de achar que esse movimento fosse mais um “chilique” da classe média, assustada com a volta da inflação, e que de tempos em tempos, bota a “boca no trombone” através dos seus “sarados mauricinhos” e “glamourosas patricinhas”, que vem introduzindo uma espécie de “português cibernético” entre BJS e KKK. Mas não era só isso. A Primavera Junina vem revelando que os outrora tradicionais canais de mobilização como os partidos políticos e sindicatos estão em crise, ou seja, tais acontecimentos vêm indicando que eles estão perdendo legitimidade junto à sociedade civil organizada, que talvez, esteja ocorrendo silenciosamente há uma década, e me parece, que os seus “combativos quadros” não souberam detectar.
E se assim for, tal sintoma aponta para o declínio do discurso libertário proferido pelo Partido dos Trabalhadores e outros partidos de orientação marxista, que de alguma forma, não souberam dar respostas a sociedade que eles se propuseram a transformar. O intelectual italiano Antonio Gramsci em sua obra “Os intelectuais e a formação da cultura”, se atendo a esses segmentos no mundo, escreveu que na América latina, os intelectuais somente sairiam de dois segmentos específicos: as aristocracias rurais e castas militares. E ele estava absolutamente certo. Vejamos: o pioneiro da historiografia marxista no Brasil Caio Prado Júnior era filho de cafeicultores paulistas; Gilberto Freire, formulador da tese da democracia racial brasileira, era filho de usineiros em Pernambuco, e ainda entre nós, Fernando Henrique Cardoso tem sua origem em uma família de militares.
Na verdade, a direita e a esquerda são de uma forma geral, a face de uma mesma moeda. Sacrilégio? De forma alguma. Eu explico: se a direita sempre enxergou o povo enquanto uma “massa ignorante” que só servia para prestação de serviços a preço barato ou como eleitores para mantê-los no poder político, a esquerda os enxerga como uma “massa alienada e despossuída” que deve ser educada politicamente para ser conduzida a um processo “revolucionário”, ou seja, o desprezo com aqueles que tiveram acesso precário a educação (ou simplesmente não tiveram) é essencialmente o mesmo,e dessa forma,os indivíduos economicamente falhos e com uma formação escolar deficiente são vistos por ambos os lados como “massas de manobra” ou “garrafas vazias” para algum tipo de uso político,ainda que com enfoques diferenciados.
Assim,quando em 2003 a “esperança venceu o medo” e Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência da república,abriram-se perspectivas de rompimento com cinco séculos de exclusão social e quase dois séculos de um modelo de estado nacional artificial voltado ao atendimento de interesses de poucos. E realmente, ocorreram avanços significativos: a instituição definitiva dos Conselhos Setoriais Municipais prometia abrir um canal interativo entre estado e sociedade civil organizada; o programa “Bolsa Família” contribuiu para a resolução do problema da fome que sempre foi endêmica no Brasil; o programa “Minha Casa Minha Vida” prometia ao menos diminuir o problema do déficit habitacional produzido pela urbanização acelerada - e o mais importante - ocorreu à emergência de uma nova classe média.
O problema é que fui percebendo que para viabilizar todos esses avanços pontuais, o Partido dos trabalhadores se sujeitou a uma escalada de alianças ditas “estratégicas” (sobretudo com o PMDB) para se sustentar no governo, cujo leque aumentou tanto, que culminou em acordos com setores dos mais reacionários e venais da política brasileira, como exemplo, o Deputado Federal Roberto Jeferson, que denunciou o episódio do “mensalão” comprometendo vários proeminentes do PT e quase derrubando Lula da Presidência da República. Para se manter no governo e lutar pela reeleição, foram firmados mais concessões, mais acordos, mais conchavos - sempre vistos como “estratégicos” - que foram igualando o PT aos partidos comuns, enquanto uma dissidência fundava o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) aumentando ainda mais a “pulverização” dos partidos de orientação marxista.
Nesse contexto, o PT adere à velha prática consagrada pela direita após a segunda metade do século XX: o “Panis et circensis” ao se candidatar,vencer e abrigar a Copa das Confederações em 2013,a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016.A idéia que o Brasil passara a outro patamar por sediar esses eventos,ou melhor,por ser um dos principais membros dos países emergentes (também conhecidos como BRICS) e por estar seguindo uma política externa com relativa soberania, lhe credenciava a promover esses eventos de vulto,mostrando ao mundo uma nova potência regional no Hemisfério Sul.Enquanto isso,a violência policial grassa nas grandes aglomerações urbanas,o narcotráfico e milícias continuam aterrorizando a população e a degradação ambiental continua e avança tanto nas cidades quanto no campo.
Mas o continuísmo não termina aí e contribui para a silenciosa e lenta desmoralização do governo: os Conselhos Municipais não funcionam, pois ao invés de serem um canal de interação entre estado e cidadão, tornou-se um centro de cooptação de lideranças comunitárias e fonte de renda de ONGs desonestas; o Bolsa Família se solidificou como um mero paliativo e passou a ser objeto de “barganhas” políticas ( e religiosas também) ao nível local,bem como, o programa Minha casa Minha Vida vem seguindo o mesmo caminho.O curioso é que o PT tornou-se nesse período um “partido de massas” graças a filiação de um número incalculável de carreiristas e fisiológicos, cujos “espectros”,se beneficiam com cargos comissionados e verbas para as suas entidades com pouca ou nenhuma representatividade junto as suas ditas comunidades.É muito comum setores importantes como as Secretarias Municipais voltadas ao Meio Ambiente,serem dirigidas por “boçais” que acumulam cargos no estado e no partido.
Tudo isso, vem minando a credibilidade do PT junto à população, sobretudo perante aos formadores de opiniões como alguma idade, já cansados de um discurso panfletário e pouco propositivo (como eu), pois afinal de contas, ouço diariamente referências ao Partido dos Trabalhadores como o “partido da boquinha”, termo imortalizado por Antony Garotinho e reproduzido com sucesso por lideranças comunitárias sem muita alternativa (honesta) de atuação em suas cidades. Além disso, há uma juventude que se organiza nos “Facebook”, ”Twiteres”, ”Orkuts”, ”Youtube” e outros meios para conversar de tudo. Inclusive política. Trata-se de jovens que não conheceram um PT combativo e uma esquerda propositiva - e perigosamente também - não conheceram a ditadura militar e suas mazelas.
Por isso, o que me preocupa não é a falta de lideranças (pois as velhas e atuais que estão visíveis carecem de legitimidade), e sim, esse vazio de segmentos claros que organizam as manifestações, pois estes, podem se direcionar tanto a esquerda (espero que, empreendedora, propositiva e programática) ou à direita (os atuantes fundamentalistas cristãos ou os tímidos neo-militaristas). Em seu artigo, Luiz Eduardo Soares adverte sobre isso na seguinte reflexão:
“O movimento dependerá da capacidade de não confundir rejeição ao atual sistema com a recusa da democracia (...)”
Como bem lembrou a Presidenta Dilma, muitos foram presos, torturados e mortos para que ocorram hoje essas manifestações populares, no entanto, os dirigentes sérios do Partido dos Trabalhadores - bem como dos demais partidos de esquerda com alguma competitividade real como o PSOL - devem fazer uma profunda reflexão se valeu a pena “dançar conforme a música”, e fazer também, uma sincera autocrítica sobre as alianças que foram feitas nos últimos dez anos e romper com esses segmentos enquanto ainda há tempo.Deve apontar firmemente para a realização do plebiscito para ouvir de verdade as demandas do cidadão brasileiro e potencializar a TV Pública e os meios midiáticos sob controle do governo federal,pois na minha ótica, esse “vácuo político-social” está sendo apropriado por setores altamente conservadores que pode inclusive culminar em algum tipo “novo” de golpe de estado. Sim, isso mesmo.Não aquela “quartelada” clássica dos tempos da Guerra Fria,onde o presidente era deposto para dar lugar a um “Gorila’,mas um golpe via congresso,cuja ferramenta,podem ser as redes sociais.Lembrem-se: as redes sociais mobilizam,mas nem organizam e muito menos politizam.
E por fim, enquanto cidadão politizado - que como a maioria dos brasileiros detesta os “políticos” - tenho de reconhecer que se avançou muito nas melhorias sociais, mas insisto em afirmar que não é suficiente: eu aspiro por uma sociedade baseada no respeito às leis, onde haja espaço para o cidadão trabalhador, honesto e empreendedor e não uma sociedade onde a corrupção, a “malandragem” e a esperteza deletéria sejam vistas como virtudes,que infelizmente,o PT adotou nos últimos dez anos.