O pré-sal e as contradições do pacto federativo brasileiro
Por Mauricio Mendes de Oliveira
A questão da partilha dos royaltes do pré – sal recolocou na ordem do dia um debate que há muito tempo está adormecido: o federalismo no Brasil, que muitos companheiros com certeza acharão estranho, mas que é pertinente ser abordado, tendo em vista as possíveis seqüelas sócio-econômicas que virão devido à distribuição dos lucros dos hidrocarbonetos para todos os estados brasileiros.
Longe de fazer coro aos discursos de viés populista dos governadores Paulo Hartung e Sérgio Cabral, ou referendar, o oportunismo eleitoreiro dos prefeitos capixabas e fluminenses, a reivindicação dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro por uma maior fatia nos futuros dividendos na extração, refino e distribuição dos hidrocarbonetos é uma demanda perfeitamente justa. No entanto, se faz necessário esclarecer os limites dessa república pretensamente federativa chamada Brasil.
Para iniciar um debate consistente sobre o pacto federativo, devemos recuar no tempo, especificamente na chamada “república velha”, conjuntura histórica onde as antigas províncias que formavam o império foram transformadas em estados autônomos, verdadeiros “países” dado o grau de independência que a Constituição Federal de 1891 lhes concedia, ou melhor, as suas então oligarquias agrárias.
Tal autonomia garantia aos estados uma constituição própria (em consonância com a carta federal), o direito de contrair empréstimos no exterior, o estabelecimento do seu próprio legislativo e constituir uma então chamada “força pública” (as atuais polícias militares), que em alguns estados, chegou a ser tão equipado quanto o exército brasileiro e foi fundamental para a contenção do banditismo (sobretudo no nordeste) e dos emergentes movimentos sociais
Tratava-se de uma federação que beneficiava uma oligarquia agro-exportadora, sobretudo dos estados cafeicultores de São Paulo e Minas Gerais que se alternaram na hegemonia política do país entre 1898 e 1926, momento em que a chamada política do “café com leite” entra em crise que irá culminar na “Revolução” de 1930 e a ascensão do gaucho Getúlio Vargas.
A “Revolução de 1930” aprofunda o declínio do federalismo, que tem seu desfecho no golpe do Estado Novo em 1937, quando as bandeiras estaduais são queimadas em praça pública em um ato solene. A subtração da autonomia dos estados fora uma necessidade para um regime que pretendia orientar a passagem de uma economia agrária para outra industrial voltada para substituir importações, e assim posto, tal diretriz só poderia avançar através de um estado unitário e centralizado.
Assim, o governo federal tomou para si a responsabilidade de dotar o país de uma infra-estrutura capaz de favorecer o setor secundário: a criação do IBC (Instituto Brasileiro do Café), do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e a manutenção dos latifúndios foram compensações para as elites agrárias que perderam uma fatia do poder com a centralização.
Nesse contexto, o governo federal toma a iniciativa de formar uma nova elite intelectual com a ampliação da Universidade do Brasil (atual UFRJ) e a criação da USP (Universidade de São Paulo). A criação do IBGE (Instituto Brasileira de Geografia e Estatística) visava mensurar o potencial humano e os recursos naturais disponíveis no território brasileiro com o fim de potencializar a industrialização.
A centralização era construída ideologicamente através da Rádio Nacional, que em suas ondas curtas, abrangia a quase totalidade do território nacional e foi fundamental para justificar a idéia de “unidade” territorial e o conceito de “brasilidade” em oposição ao regionalismo. Não foi por acaso que a emissora promoveu o lançamento de cantores regionais como Lupicínio Rodrigues (RS), Luiz Gonzaga (PE), a dupla caipira Jararaca e Ratinho (interior de São Paulo) e outros. Além disso, os clubes de futebol do Rio de Janeiro ganham abrangência nacional graças a Rádio Nacional.
A supressão da autonomia prosseguiu no governo de Juscelino, que com a construção e transferência da capital federal para Brasília, iniciou-se a “marcha para o oeste” cujo objetivo era ocupar os “espaços vazios”. Nesse momento se aprofunda a migração de nordestinos para o eixo Rio-São Paulo, sede das indústrias nacionais e transnacionais que necessitavam de um ' “exército industrial de reserva”, ou seja, o capitalismo no Brasil (periférico e dependente) se forjou com a centralização administrativa e a dês-territorialização de populações inteiras.
As constituições de 1937, 1946, 1967 seguiram com a orientação de reduzir a autonomia dos estados ao mínimo: durante o período militar (1964-1985) o governo federal continuou “adulando” as elites estaduais com a criação de organizações de fomento estatais como a SUDENE (nordeste), SUDAM (Amazônia) e SUDECO (centro oeste), onde eram alocadas as “clientelas” ou a extensas “parentelas”, que nada mais foram do que uma continuidade do “coronelismo” rejuvenescido em outras instâncias além do poder local.
Dentre os projetos “faraônicos” desse período, destaca-se a construção da desastrosa rodovia Transamazônica em plena crise do petróleo nos anos 1970. Além disso, os militares aumentaram a representação parlamentar de estados mais pobres do norte e nordeste para se perpetuarem no poder, pois estavam perdendo legitimidade nos estados mais desenvolvidos do centro-sul.
A Constituição de 1988 que deveria corrigir tais distorções no pacto federativo no Brasil prosseguiu com os equívocos: se no senado federal a paridade entre os estados foi contemplada com o direito a cada estado um número de três representantes, na câmara dos deputados a desigualdade instituída em 1977 pelos militares persistiu, onde a nova carta magna limita o número de parlamentares por estado em um mínimo de oito e no máximo setenta, ou seja, a proporcionalidade não passa de uma falácia. Para se ter uma dimensão dessa distorção, o voto de um cidadão do subpovoado estado de Roraima vale por aproximadamente treze cidadãos do dinâmico e populoso estado de São Paulo.
Sobre os recursos naturais, a constituição também é dúbia: o capítulo III, artigo 26, incisos I, II e III garante as unidades da federação o domínio sobre as ilhas oceânicas, faixa costeira e águas superficiais, porém, o capítulo II, artigo 20, inciso V reserva a união a posse dos recursos naturais na plataforma continental e na ZEE (Zona Econômica Exclusiva), ou seja, o governo federal tem o poder sim para distribuir os royaltes do petróleo entre os 26 estados brasileiros.
No entanto, isso não significa que não se deva lutar pela instituição de uma federação de verdade, pois o Brasil já está amplamente inserido em uma economia de mercado, com um desenvolvimento econômico já maduro, e, portanto, não é necessária essa excessiva centralização.
Se alguns militantes do PT defendem tal regime de partilha, acreditando que essa ação permitirá ao país conduzir os recursos captados pela união para os diversos setores industriais e no desenvolvimento do bem estar social, queremos lembrar que não se construirá uma economia diversificada – e tampouco – uma pretensa justiça social, com a falta de autonomia das unidades federadas, já que essa pretensa partilha irá beneficiar os grupos com maior poder político, e por extensão, econômico.
Por exemplo: Por que devemos seguir as orientações do PT ”paulista” se nossa realidade social é peculiar em relação ao resto do país? Ao contrário do resto do Brasil, temos uma vocação cosmopolita que foi construída desde os tempos coloniais, ou seja, sempre tivemos referência de uma sociedade aberta ao mundo, e, portanto, tendemos a avaliar conjunturas com mais clareza.
Isso talvez tenha atrofiado o nosso regionalismo, mas que não significa que não tenhamos o senso crítico de defender os interesses do povo fluminense (ou carioca como queiram), pois afinal de contas, a redução dos royalties do petróleo irá comprometer muitas expectativas de modernização do nosso estado.
Longe de ser um saudosista das centenárias oligarquias regionais (nem temos um histórico disso), acredito que seja preciso fazer um exercício sobre o papel da federação no Brasil, cujo momento exige avaliá-la de acordo com o contexto nacional nesse início do século XXI, onde a opinião pública embora mal informada se encontre bem atenta aos acontecimentos políticos no país.
Assim, a derrota dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo no Congresso Nacional pelo direito aos royalties do petróleo se deu pela falta de politização dessa demanda que impediu a mobilização popular, pois em momento algum ficou claro os prejuízos que as populações fluminenses e capixabas seriam submetidas. Através das redes sociais (fecebook, Orkut, e outros) é possível mobilizar milhares de cidadãos e não houve qualquer esclarecimento a respeito.
Considerando que os militantes do nosso partido poderiam ter cumprido essa função, estamos sentindo na carne o preço da falta de formação política e o abandono do trabalho de base. Muitos companheiros por certo aprovaram a partilha estabelecida pelos deputados em Brasília, pois acreditam candidamente que a riqueza deva ser distribuída paritariamente entre todas as unidades federadas - ou melhor, entre os brasileiros – o que é sem dúvida louvável, no entanto, preocupante em longo prazo.
Relembrando, tais companheiros não deverão perder de vista que em alguns estados não produtores, tal idéia de partilha partiu de grupos conhecidamente reacionários e oriundos das velhas oligarquias locais (vide o clã Sarney no Maranhão), que jamais tiveram o interesse de distribuir qualquer tipo de riqueza com a população. E isso é um bom motivo para debater sobre esse dito “federalismo”.